aquilo que não fazemos todos os dias

...a rotina embacia-nos, torna-nos indefinidos, desfocados, fantasmas, máquinas, ao mesmo tempo que nos solidifica em estátuas de sal.
A consciência da morte é o que nos desperta dessa morte em que vivemos, que nos diz o que deveríamos ter feito, o que deixámos de fazer, a morte é um despertador, um despetador que nos acorda para a inevitabilidade dos nossos erros.
Morreremos em breve, temos de agir, de resistir.
Não desistiremos.
A solução seria termos todos uma caveira na mesinha-de-cabeceira, como fazem os monges cartuxos, para nos servir de despertador e todos os dias sabermos que temos de acordar, não para viver a rotina fatal do quotidiano, mas a vida apaixonada de alguém que ainda sabe que existem nuvens, céu e beijos.
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Porque viver não tem nada a ver com isso que as pessoas fazem todos os dias, viver é precisamente o oposto, é aquilo que não fazemos todos os dias.

in Flores, Afonso Cruz