Exercício de uma aula

É difícil organizar ideias e informação quando se está a investigar um assunto. Para mim isto tem sido um problema nos últimos tempos.
O que é ou não importante?
Como organizar a informação dos artigos?
Qual o melhor método para não esquecer o que leio? Ou o que oiço em conferências e em aulas?
A forma convencional é: aprender, decorar, ser avaliado, e classificado com uma nota. Mas esta fórmula de pouco serve quando o interesse é adquirir conhecimentos. As notas apenas servem para o currículo, para o papel. O interesse deve ser no que se faz depois com esse conhecimento.

Isto foi abordado numa aula do programa de doutoramento da FCT da UNL dada pelo professor António Câmara. O tema era "O currículo escondido".
A proposta de avaliação dos alunos é fazerem um blog e discutirem a aula.
Apesar de não ser aluna do programa de doutoramento, tenho um blog, e vou aproveitar para fazer o exercício com uma síntese das ideias.

1. O currículo escondido são as capacidades que estão para além da média e das classificações que vêm no currículo. Essas capacidades reflectem-se no que os indivíduos conseguem fazer com o seu conhecimento. E isto pode ser definido como propriedade intelectual, que pode ser rentabilizada através de várias formas como a criação de empresas, oportunidades de negócio ou patentes.

2. O sistema educativo português tem moldado a forma como os indivíduos são formados: prepara pessoas para serem empregados em vez de serem os empregadores. A diferença é que quando os indivíduos se sentem capacitados para serem empregadores, agem em função de um interesse próprio, com responsabilidade e dedicação, o que não acontece quando agem apenas para um objectivo de ter uma nota.

3. Há algumas características importantes que devem ser valorizadas na educação dos indivíduos. A mais importante é a paixão. Significa que se o indivíduo tiver paixão no que está a fazer, tudo o resto é mais fácil. Como por exemplo a energia, a capacidade de lidar com o "stress", a auto-confiança, a capacidade de trabalhar em grupo, de liderar e de concretizar objectivos. Eu sinto que isto é mesmo verdade aplicado ao meu caso pessoal. Mas cada vez é mais fácil de perceber isso nos outros. Com o tempo, já consigo aperceber-me disso quando identifico determinadas capacidades de trabalho noutras pessoas, com quem vou lidando.

4. A adaptação às novas tecnologias é uma realidade que não se pode descurar. Isto significa que os indivíduos estão em contacto permanente com novas formas de adquirir informação. Essas novas formas são mais rápidas e interactivas. Portanto tudo o que se quer comunicar tem de ser baseado no princípio de se ter capacidade de síntese, de escolher o mais importante e de não perder tempo com as aspectos secundários como formalidades.

5. A qualidade é o objectivo a atingir. E é sempre possível caminhar para uma melhor qualidade. Por exemplo, o espírito dos investigadores quando olham para um artigo deve ser em encontrar erros e sentir que é possível ser melhor. O princípio deve ser como os artesãos fazem: procurar a qualidade pela qualidade.

6. A comunicação é essencial para o sucesso de uma ideia. Para isso é importante saber escrever e passar ideias para o papel, que depois pode servir para escrever propostas. Isto só se consegue através do exercício. Uma coisa simples é por exemplo estruturar as ideias de um texto ainda antes de o começar a escrever.

7. É importante aplicar modelos de pensamento que servem para conceber uma ideia que se quer atingir. Depois de saber onde se quer chegar no futuro, num determinado intervalo de tempo, faz-se o exercício contrário e vê-se o que é necessário para lá chegar. Isto é essencial para aplicar uma estratégia a longo prazo.

8. É muito difícil lidar com a incerteza, mas é importante treinar isso para que os indivíduos sejam capazes de arriscar num caminho desconhecido, como acontece na investigação ou no investimento económico.

9. O saber não é só teórico, é também prático. O conhecimento de "saber fazer" vale cada vez mais porque quem sabe fazer pode ensinar os outros e produzir conhecimento através desse saber. Por exemplo, o saber cozinhar é cada vez mais um conhecimento importante que com o tempo está a perder-se. Nem todos temos tempo para cozinhar, e quem possui esse saber tem um conhecimento que pode ser rentabilizado.
Aqui eu acho que o saber de produzir alimentos é uma grande vantagem no futuro. Acho que o saber de pescar ou de cultivar é um saber muito complexo, difícil e intuitivo, e está concentrado cada vez num menor número de pessoas. E é um saber também difícil de aprender, porque é preciso alguma disponibilidade para o fazer. Acho que este é um grande desafio para a sociedade no futuro: o saber produzir alimentos, que são essenciais para as nossas vidas.

10. Por fim a minha visão crítica sobre o assunto é que todo este conceito é uma transferência do modelo dos EUA. É um modelo de sucesso como se pode avaliar pela economia e pela rentabilidade da propriedade intelectual aplicada na inovação, nas empresas que surgem e no número de patentes. Mas questiono até que ponto este modelo pode ser aplicado a Portugal, tendo em consideração a nossa pequena escala.
Temos capacidades individuais iguais a qualquer outro país, mas não temos uma estrutura de suporte igual.
Uma aposta pode ser na qualidade e no saber empírico que ainda temos associado aos recursos (peixe, vinho, azeite, alfarroba, sal). A nossa pequena escala tem vantagens ao nível ambiental e social, pela proximidade com a fonte dos recursos. Temos é de o fazer melhor que outros que já o fazem. Por exemplo, na aquacultura, é impossível Portugal tentar competir com a produção em grande escala, como acontece em países como a Grécia. Produzem peixe barato, em grande escala, mas com uma qualidade duvidosa e um custo ambiental não reflectido no preço ao consumidor. Porque não tentar produzir os exemplos de aquacultura de melhor qualidade? Com os melhores requisitos em termos ambientais e com as melhores propriedades para a saúde (sem antibióticos, nem outros químicos que propiciam um rápido crescimento). Ou então produzir espécies que sejam uma alternativa adaptável às condições naturais do país, como cefalópodes, bivalves. Ou apostar numa pesca que cumpra requisitos ambientais e que mostre de uma forma simples e atractiva as condições em que os animais são extraídos, de onde vêm, onde vivem e como a actividade se processa em terra.